Narrativa protótipo do luto na população portuguesa
Résumé
O luto é um fenómeno natural e universal que envolve um processo contínuo de adaptações por parte do ser humano de modo a integrar a experiência. A perda de alguém próximo pode apresentar vários impactos no funcionamento emocional e cognitivo da pessoa enlutada, colocando-a num processo de transição e adaptação de duração incerta, sendo por isso uma vivência que destabiliza os pilares de significação do indivíduo. O construtivismo foi o modelo que adoptámos para abordar os processos psicológicos, e o luto. Este modelo defende que o homem possui um papel activo na construção do conhecimento, organizando proactivamente a multiplicidade das suas experiências de modo a dar-lhe um significado que permita manter a coerência dos seus processos de identidade. Estes significados são construídos através da linguagem, pela organização dos diversos elementos que compõem as experiências, de modo a que todas as partes se liguem de acordo com formas narrativas. A narrativa surge assim como um recurso permanente e poderoso para evocar, integrar e reconstruir as experiências pessoais facilitando o processo de significação. Então, o ser humano, a partir das experiências que vão sucedendo aleatoriamente na sua vida, organiza e constrói-se a si próprio e à sua experiência em torno de narrativas coerentes, complexas e diversificadas. No entanto, não é possível promover-se processos de organização ou reorganização sem se aceitar a dimensão desordenada desses processos, sendo resultado de estados patológicos ou vivências destabilizadoras, como a morte de uma pessoa significativa. Neste contexto, surge o conceito de narrativa protótipo, que em termos globais corresponde a um conteúdo narrativo com componentes rígidos e inflexíveis da organização do significado da experiência. Assim, a organização do discurso da narrativa protótipo de diferentes tipos de psicopatologia e determinadas experiências de vida, como a perda, se faz em torno de núcleos narrativos que “fecham” as experiências ao constituírem uma matriz a partir da qual outras experiências são categorizadas, ordenadas e intencionalizadas.
O objectivo desta investigação consistiu na identificação da narrativa protótipo do luto. Estudámos uma amostra de adultos em período de luto aos dois meses, a fim de verificar se esta experiência é vivenciada através de um padrão narrativo. Este estudo pretendeu assim, através da análise da configuração das narrativas do luto, ao nível dos elementos gramaticais, a construção da narrativa protótipo do luto, numa fase inicial deste processo. Para isso, foram recolhidas 15 narrativas aos dois meses, após perda significativa, a 6 homens e 9 mulheres (idade média 38,7 e DP 9,59). As narrativas episódicas do luto foram analisadasqualitativamente, sendo aplicada a grounded analysis ao conteúdo dos elementos canónicos: contexto; acontecimento precipitante; respostas internas; objectivo; acção; resultado; finalização. Com base nos resultados obtidos foi criada a narrativa protótipo.
Observámos que a narrativa protótipo obtida vai de encontro às teorias apresentadas e comparámos-lha com a narrativa protótipo da depressão, devido a estreita ligação que o luto tem vindo a ter com a depressão ao longo da história.
Ressaltámos a relevância investigativa e clínica destes resultados, uma vez que há a necessidade crescente de estudar não só os processos psicopatológicos, mas também os processos adaptativos de significação a uma experiência de luto. E por último, sugerimos que novos estudos poderão ser efectuados tendo como base os resultados obtidos por esta investigação.
Esta investigação pretende ser um contributo valioso para o estudo da significação do luto, através do seu suporte empírico em busca de uma melhor pratica clínica em termos de investigação e intervenção clínica.