A neurotoxicidade do chumbo e sua possível relação causal com a demência de alzheimer
Résumé
O chumbo (Pb) é um metal pesado usado pelo Homem há, pelo menos, 7000 anos, porque era (e continua a ser) muito difundido na natureza e de fácil extração. Existem pelo menos 20 metais que podem causar efeitos tóxicos no ser humano: o cádmio, arsénico, manganésio, chumbo, mercúrio e muitos outros. Os efeitos destes metais têm sido cada vez mais focos de atenção, devido à sua importância como agentes causadores de diversas patologias.
Os efeitos biológicos do Pb provocam, qualquer que seja a forma de entrada e absorção do mesmo, interferência no normal funcionamento das células e nos vários processos fisiológicos inerentes. Os efeitos tóxicos mais nocivos provocam comprometimento do Sistema Nervoso Central (SNC) e alterações na síntese do grupo Heme. O chumbo, para além de ser um elemento estranho ao organismo humano, é uma neurotoxina cuja ação, em diversos tecidos, resulta na sintomatologia de uma doença conhecida como saturnismo ou intoxicação pelo chumbo. O quadro clínico associado pode ter origem numa exposição ambiental, mais associado às crianças, ou a uma exposição em ambiente profissional.
A designação Doença de Alzheimer (DA) é uma homenagem ao neuropsiquiatra alemão Alois Alzheimer. Este, em 1907, descreveu o caso de uma mulher de 51 anos com um quadro de demência de causa desconhecida, instalação insidiosa e progressiva.
O presente trabalho assenta na importância da clinica médico-legal associada à Medicina do Trabalho/Saúde Ocupacional e sua inerência à Tabela Nacional de Incapacidades e na Lei de Proteção dos Trabalhadores Contra os Riscos Resultantes da Exposição ao Chumbo.
O presente estudo propõe-se, investigar em ratinhos, a toxicidade da exposição ao chumbo e relacionar essa exposição ao aparecimento de alterações histológicas que permitam inferir a possibilidade de existir uma associação com a Doença de Alzheimer. Os objetivos deste trabalho são: verificar a interação do Pb com o SNC, através do estudo do cérebro pela técnica de Microscopia Eletrónica de Transmissão (TEM), por ser possível verificar a ulta-estrutura das amostras e visualizar possíveis alterações morfológicas, após administração aguda do metal; e confirmar a presença de Pb no cérebro, no fígado e no rim, pela técnica de Microscopia Eletrónica de Varrimento acoplada à microanálise por raio-X (SEM-XRM).
O protocolo experimental consistiu na injeção intraperitonial de chumbo em ratinhos BALB/c, eutanásia dos animais, preservação das estruturas a estudar, uma primeira análise de cérebro através de TEM e posterior análise em SEM-XRM. Seguidamente foi analisado o fígado e rim pela técnica de SEM-XRM.
Tendo exposto os ratinhos por via intraperitonial ao metal pesado, verificou-se que nas doses testadas o chumbo não causou qualquer alteração morfológica nas células da glia, micróglia ou em qualquer outra estrutura analisada do SNC. Posteriormente foi estudada a presença do chumbo também no cérebro, no fígado e no rim. Nesta última análise foi possível verificar a presença efetiva deste metal pesado apenas no tecido hepático e renal.
Neste estudo não nos foi possível concluir positivamente acerca da relação de uma potencial intoxicação aguda com elevadas doses de exposição ao chumbo e o surgimento de doenças neurodegenerativas tais como a DA. Embora tenha sido sugerido que o chumbo poderia contribuir para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, a sua penetração na barreira hematoencefálica está condicionada pelas especificidades químicas do metal, tal como a característica hidrofílica. Isto é devido às propriedades da barreira que limitam a difusão de substância não lipolíticas para dentro e fora do cérebro.
Este trabalho veio realçar que em concentrações muito acima do valor limite biológico legal e em intoxicações agudas, o cérebro não apresenta qualquer alteração ou mesmo a simples presença do metal. Como se verificaram noutros estudos, muitas vezes o importante não será a dose administrada mas sim o tempo que esta fica em circulação. Mesmo em exposições com baixas concentrações de chumbo, mas cuja exposição perdura no tempo, verifica-se a afetação do hipocampo ou mesmo outras zonas do cérebro.