Palavras d´El Rei ? Uma Investigação Forense Multidisciplinar do Enigmático Memorando de 1919
Abstract
Na sequência da implantação da República, entre 1910 e 1926, Portugal viveu um período politicamente conturbado. Com D. Manuel II exilado em Inglaterra, alguns monárquicos em Portugal, ansiando pela restauração da Monarquia, solicitaram o aval do Rei exilado para dar início a um movimento revolucionário militar. Foi então elaborado um “Memorando”, que após alegada consulta ao Rei, por parte do seu Conselheiro Ayres de Ornellas, passou a ostentar a enigmática expressão “Go On! Palavras d'El Rei”, indicando o suposto consentimento.
Conhecendo-se a oposição de D. Manuel à restauração da monarquia pela via revolucionária, preferindo a via política, pacífica e ordenada, face ao documento no qual, alegadamente, anuiu com a manobra revolucionária, emerge uma contradição. O presente trabalho pretende contribuir para o esclarecimento da mesma, pelo relacionamento de diversos factos históricos e pela avaliação da veracidade/autoria dos manuscritos do Memorando.
Para tal, foram pesquisados diferentes arquivos bibliográficos e analisados diversos documentos e obras que permitiram aprofundar o enquadramento histórico e encontrar, na verdade, dois Memorandos: i) “Memorando Manuscrito”, detentor de um corpo de texto supostamente manuscrito por Hipólito Raposo (político monárquico) e de manuscritos laterais de suposta autoria de Ayres de Ornellas (supostamente assinados pelo mesmo), e ii) “Memorando Dactilografado”, detentor de um corpo de texto dactilografado e de manuscritos laterais de suposta autoria de Ayres de Ornellas (supostamente assinados pelo mesmo). Desta forma, foram também recolhidos manuscritos da autoria inequívoca de Hipólito Raposo e de Ayres de Ornellas para tornar possível a investigação forense. Assim, a Escrita Manual e a Linguística constante dos manuscritos de autoria inequívoca, foram então comparadas, com a Escrita Manual e a Linguística constante dos manuscritos presentes nos dois Memorandos. Foram ainda utilizados Métodos Computacionais para coadjuvar a análise da Escrita Manual realizada.
A análise comparativa de Escrita Manual realizada permitiu afirmar que as várias similitudes e as reduzidas diferenças encontradas, entre os manuscritos de autoria inequívoca e os constantes nos dois Memorandos, suportam, moderadamente, as seguintes preposições: i) Hipólito Raposo é o autor da escrita manuscrita do corpo do texto presente no Memorando Manuscrito, ii) Ayres de Ornellas é o autor dos manuscritos laterais presentes no Memorando Manuscrito, iii) Ayres de Ornellas é o autor da escrita da assinatura presente no Memorando Manuscrito, iv) Ayres de Ornellas é o autor dos manuscritos laterais presentes no Memorando Dactilografado, e v) Ayres de Ornellas é o autor da escrita da assinatura presente no Memorando Dactilografado.
Quanto à análise computacional da Escrita Manual, as correspondências da distribuição dos ângulos dos contornos das letras não permitiram atribuir uma maior probabilidade de autoria a Hipólito Raposo ou a Ayres de Ornellas nos diversos documentos comparados, devido a diferenças insuficientes entre autores e, por vezes, cumulativamente, resultados inconsistentes. Desta forma os Métodos Computacionais deram um resultado inconclusivo.
Por último, através da análise de Linguística Forense, após a análise dos corpora de textos e marcadores de estilo, foi difícil realizar a atribuição de uma autoria inequívoca aos corpora de texto analisados. Contudo, foi possível identificar, embora em número insuficiente, diversas características linguísticas e marcadores linguísticos comuns, no sentido de identificar Hipólito Raposo como possível autor do corpo do texto e Ayres de Ornellas como possível autor dos manuscritos laterais presentes no Memorando Manuscrito.
Pese embora os resultados da análise computacional da Escrita Manual tenham sido inconclusivos e os resultados da análise de Linguística Forense não tenham permitido chegar a conclusões assertivas de autoria, os mesmos também não foram contraditórios com os resultados obtidos na análise de Escrita Manual. Desta forma, podemos assim concluir, com moderada certeza, que Hipólito Raposo e Ayres de Ornellas são os autores dos dizeres manuscritos e assinaturas atribuídas aos mesmos, conforme anteriormente descrito, constantes dos Memorandos. Tal facto, apoia a teoria de que o Rei alegadamente consentiu a tentativa da restauração da Monarquia pela via revolucionária.
Palavras-Chave: Rei D. Manuel II; Hipólito Raposo; Ayres de Ornellas; Análise de Escrita Manual; Linguística Forense. Following the implementation of the Republic, between 1910 and 1926, Portugal lived a politically unstable period. With D. Manuel II exiled in England, some monarchists in Portugal, anxious for the restoration of the Monarchy, requested the endorsement of the exiled King to begin a revolutionary military movement. A “Memorando” was then written, which, upon alleged consultation to the King by his Counselor Ayres de Ornellas, appeared presenting the enigmatic handwritten expression “Go On! Palavras d'El Rei”, indicating the purported consent.
Knowing D. Manuel´s opposition to the restoration of the Monarchy through revolutionary means, preferring the peaceful, political, and orderly way, facing the document in which, allegedly, granted the revolutionary manoeuvre, a contradiction emerges. This present work aims to contribute to the clarification of the same, relating several historical facts and evaluating the authenticity/authorship of the Memorando manuscripts.
For that purpose, different bibliographical archives were researched and several documents and works were analysed, allowing to deepen the historical framework and find, in fact, two Memorandos: i) "Manuscript Memorando", holder of a body text supposedly handwritten by Hipólito Raposo (monarchical politician) and side manuscripts of supposed authorship of Ayres de Ornellas (supposedly signed by the same), and ii) "Typewritten Memorando", holder of a typewritten body text and side manuscripts of supposed authorship of Ayres de Ornellas (supposedly signed by the same). In this way, manuscripts of unequivocal authorship of Hipólito Raposo and Ayres de Ornellas were also collected, making the forensic investigation possible. Therefore, the Handwriting and Linguistic of the manuscripts of unequivocal authorship were then compared with the Handwriting and Linguistic of the manuscripts present on both Memorandos. Computational Methods were additionally used to assist the carried-out Handwriting analysis.
The performed comparative analysis of Handwriting allowed to affirm that the various similarities and reduced differences that were found, between the manuscripts of unequivocal authorship and the ones on both Memorandos, support, moderately, the following prepositions: i) Hipólito Raposo is the author of the handwriting of the body text present in the Manuscript Memorando, ii) Ayres de Ornellas is the author of the side manuscripts present in the Manuscript Memorando, iii) Ayres de Ornellas is the author of the signature handwriting present in the Manuscript Memorando, iv) Ayres de Ornellas is the author of the side manuscripts present in the Typewritten Memorando, and v) Ayres de Ornellas is the author of the signature handwriting present in the Typewritten Memorando.
As for the computational analysis of the handwriting, the correspondences of the distribution of the angles of the contours of the letters did not allow assigning a higher probability of authorship to Ayres de Ornellas or to Hipólito Raposo in the several compared documents, due to insufficient differences between authors and, sometimes, cumulatively, inconsistent results. Therefore, the Computational Methods gave an inconclusive result.
Finally, through the Forensic Linguistic analysis, after analysing the corpora of texts and style markers, it was difficult to attribute an unequivocal authorship to the corpora of texts analysed. However, it was possible to identify, although in insufficient number, several common linguistic characteristics and style markers, in order to identify Hipólito Raposo as a possible author of the body text and Ayres de Ornellas as a possible author of the side manuscripts present in the Manuscript Memorando.
Although the results of the computational analysis of Handwriting had been inconclusive and the results of Forensic Linguistics have not allowed to reach assertive conclusions, the same were also not contradictory to the results obtained in the Handwriting analysis. Therefore, we can conclude, with moderated certainty, that Hipólito Raposo and Ayres de Ornellas are the authors of the handwritten sayings and signatures attributed to them, as previously described, in the Memorandos. This fact supports the theory that the King allegedly consented the attempt to restore the Monarchy through revolutionary means.