Assédio Moral nas Forças de Segurança: será preocupante?
Abstract
O assédio moral pode ser definido como qualquer ato de violência psicológica e/ou física que, a curto e/ou longo prazo, provoca danos irreparáveis na vítima. Representa atos continuados com o objetivo de humilhar, constranger, intimidar e diminuir a autoestima, sendo o agressor, na maior parte das vezes, um superior hierárquico. No entanto, outros colegas podem também assumir o papel de agressor, movidos por sentimentos de inveja e rivalidade.
O fenómeno de assédio moral verifica-se tanto no setor privado como no setor público, sendo mais prevalente na esfera pública devido ao tipo de vínculo laboral. Quanto maior for a organização, menor é o contacto direto com as cúpulas da entidade patronal. Nestes casos, as relações de trabalho são orientadas por um sistema hierárquico, que muitas vezes não privilegia o bem-estar no local de trabalho. Desta forma, o presente trabalho visa caracterizar e avaliar o fenómeno de assédio moral nas forças de segurança portuguesas, nomeadamente na Guarda Nacional Republicana e na Polícia de Segurança Pública.
Para tal, foi elaborado um inquérito por questionário, composto por 82 questões, que integra também a Declaração de Consentimento Informado. A primeira parte é composta por 6 questões que visam a caracterização sociodemográfica. A segunda parte é comporta por uma escala de avaliação adaptada de Leymann Inventory of Psychological Terrorization (LIPT-60) constituída por 60 questões, que visam identificar os comportamentos de assédio moral mais frequentes. A terceira parte visa a caracterização do fenómeno de assédio moral, e é constituída por 16 questões. O questionário foi elaborado a partir do software LimeSurvey e disponibilizado online pela Associação dos Profissionais da Guarda e pela Associação Sindical dos Profissionais da Polícia a todos os seus associados, a nível nacional (território continental e insular).
Foram obtidas 302 respostas ao questionário. A maioria dos 302 participantes encontra-se no intervalo de idades entre os 36 e os 45 anos (56,6%), são do sexo masculino (79,5%), casados (66,2%), possuem entre 21 e 30 anos de serviço (61,6%), concluíram o 12º ano de escolaridade (72,5%), e prestam serviço, maioritariamente, na região do Douro (sexo feminino, 4,0%) e na área metropolitana do Porto (sexo masculino, 16,6%).
Considerando-se a amostra total do estudo, os comportamentos negativos apontados como mais frequentes, associados à prática de assédio moral, foram: i) "Os seus superiores não o(a) deixam expressar ou dizer o que tem a dizer livremente" (77,8%); ii) "Interrompem-no(a) quando fala"(77,8%); iii) "Criticam o seu trabalho" (74,8%); iv) "Caluniam-no(a) e falam nas suas costas" (58,3%) e v) "As suas decisões são sempre questionadas ou contrariadas" (57,6%).
A grande maioria dos 302 voluntários já tinham ouvido falar de assédio moral (96%), e apenas 40,4% dos participantes estão satisfeitos com o seu ambiente de trabalho. Noventa e três participantes (30,8%) declararam que já foram ou são vítimas de assédio moral (7,9% do sexo feminino e 22,9% do sexo masculino). Destes, a maioria (32,3%) foi vítima menos de 1 vez por mês (7,5% do sexo feminino e 24,7% do sexo masculino). Quanto ao agressor e se o mesmo tem consciência dos seus atos, 84,9% dos participantes indicou o seu superior hierárquico como sendo o agressor e 94,6% dos participantes consideram que o agressor tem consciência do que está a fazer. A maioria (74,2%) já falou com alguém sobre o assédio moral de que é vítima e assumiram que a família foi a principal eleita para tal (53,8%). Apenas uma minoria (22,6%) já denunciou ser vítima de assédio moral (5,4% do sexo feminino e 17,2% do sexo masculino), tendo o superior hierárquico notificado ignorado a situação, após ter recebido a denúncia, frequentemente (36,6%). Nenhum dos participantes que não denunciou o assédio indicou os motivos para não o fazer, mas a maioria (54,8%) referiu que a violência de que foram vítimas perturbou o seu trabalho e desempenho, ainda que tenham maioritariamente considerado que os seus colegas foram solidários (59,1%). Os sintomas sinalizados como aqueles que mais se manifestaram durante e após a exposição do fenómeno de assédio moral foram: i) “dificuldade em adormecer “(60,2%); ii) “ansiedade” (58,1%); iii) “acordar várias vezes durante a noite” (44,1%) e iv) “nervosismo ou agitação” (44,1%). Com percentagens mais reduzidas, mas igualmente importantes e muito alarmantes, a ideação homicida e a ideação suicida também foram apontadas (11,8% e 10,8%, respetivamente). Os participantes vítimas de assédio identificaram a opção "Evitava o(s) agressor(es)" como a mais escolhida (34,4%), para hipoteticamente fugir aos episódios de assédio moral.
O presente trabalho permitiu, assim, obter conhecimentos sobre o panorama de assédio moral nas forças de segurança portuguesas, conhecimentos estes que irão ajudar a identificar, reduzir e prevenir este fenómeno, neste contexto, aumentando a qualidade de vida e satisfação dos profissionais, refletindo-se positivamente na quantidade e qualidade do serviço prestado pelos mesmos à sociedade.