Perturbações da personalidade nos cuidados de saúde primários: prevalência e comorbilidade psicopatológica
Fecha
2012Autor
Carraça, Bruno José Oliveira
Carraça, Bruno José de Oliveira
Metadatos
Mostrar el registro completo del ítemResumen
A patologia da personalidade tende a ocorrer com outras perturbações do Eixo I,
afeta a relação médico-doente e a qualidade de vida deste último. As perturbações da
personalidade constituem um tipo grave de perturbação mental que surge na vida do
indivíduo, e responde por doença funcional significativa, e sofrimento subjetivo nas
diferentes áreas de funcionamento do indivíduo. A investigação aponta para
prevalências que variam entre 10 e 13% na população geral, mas que aumentam para
cerca de 34% em amostras de cuidados de saúde primários (Casey & Tyrer 1990; Tyrer,
2000; Tyrer & Batem, 2004). Contudo, o diagnóstico destas perturbações raramente é
realizado fora das unidades de saúde especializadas. Em Portugal é escassa a
investigação sobre a prevalência das perturbações da personalidade, e tanto quanto é do
nosso conhecimento, não existem estudos acerca da prevalência destas nos cuidados de
saúde primários.
O presente estudo teve como objetivo principal determinar a prevalência das
perturbações da personalidade, numa amostra de utentes, dos Cuidados de Saúde
Primários do Agrupamento de Centros de Saúde Dão Lafões II. Estudou-se também a
associação das perturbações da personalidade com a severidade da psicopatologia
sintomática, o seu impacto na qualidade de vida dos utentes, e na qualidade da relação
estabelecida com o médico.
Para a recolha de dados, aplicou-se um conjunto de instrumentos, a uma amostra de
184 utentes, encaminhados pelos médicos de medicina geral e familiar para a consulta
de psicologia clínica e da saúde, com um diagnóstico de perturbação do Eixo I do DSMIV.
Efetuaram-se análises descritivas e comparativas, com o objetivo de caracterizar as
perturbações da personalidade na amostra, e estudos multivariados para testar as
hipóteses de associação entre a patologia da personalidade, por um lado, e intensidade
da patologia sintomática, qualidade de vida e qualidade da relação médico-doente, por
outro. Encontrou-se uma prevalência global de 52.7% de perturbações da personalidade,
sendo o grupo B o mais comum (21.14%). A perturbação da personalidade borderline é
a mais prevalente (14.13%), seguida da evitante (8.70%), paranoide (5.98%) e
obsessiva-compulsiva (5.98%). Relativamente ao género, os homens apresentam taxas
de prevalência mais elevadas. Não se encontraram diferenças significativas entre
indivíduos mais novos e mais velhos, quer sejam homens ou mulheres.
Quanto às dimensões da psicopatologia sintomática, os sujeitos com perturbação da
personalidade apresentam maior severidade de psicopatologia do Eixo I e de ansiedadeestado;
não se distinguem dos sujeitos sem perturbação da personalidade na
autoavaliação da depressão nem na ansiedade-traço.
Quanto a qualidade de vida encontram-se diferenças entre os sujeitos com e sem
perturbação da personalidade, revelando os sujeitos que possuem um diagnóstico de
pelo menos uma perturbação da personalidade pior qualidade de vida nos domínios,
psicológico, relação e ambiental, do instrumento da avaliação da qualidade de vida da
Organização mundial de Saúde. Os indivíduos com pelo menos um diagnóstico de
perturbação da personalidade apresentam também, uma frequência superior de consultas
médicas, e uma menor qualidade da relação médico-doente (quer quando esta qualidade
é avaliada pelo médico, quer pelo doente).
Os resultados dos diversos estudos são concordantes com a diversa investigação
internacional quanto as taxas de prevalência das perturbações da personalidade nos
cuidados de saúde primários. A elevada taxa de prevalência global das perturbações da
personalidade encontrada nos nossos estudos sugere a necessidade de uma triagem
adequada deste tipo de patologia aquando do encaminhamento para a consulta de
psicologia clínica, de forma a promover um tratamento eficaz destes indivíduos. Uma
adequada e cuidada avaliação ao nível da saúde mental nos cuidados de saúde
primários, permitiria, o adequado tratamento destes doentes, bem como, prevenir a
excessiva reincidência na consulta de medicina geral e familiar, o excesso de prescrição
de psicofármacos para as perturbações do Eixo I e contribuiria certamente para uma
melhor racionalização dos custos do Sistema Nacional de Saúde.