Unravelling the molecular mechanismsunderlying 3-bromopyruvate resistance in tumor cell lines
Résumé
As células tumorais apresentam na sua maioria uma reprogramação
metabólica, que consiste na alteração da produção de energia, ou seja, deixam de
utilizar a fosforilação oxidativa, e passam a recorrer à glicólise, mesmo na presença
de oxigénio. Esta alteração metabólica é designada por Efeito de Warburg. O 3-
bromopiruvato (3-BP) é um composto antitumoral que altera o metabolismo da
glucose e inibe a produção de energia nas células tumorais, atuando quer na glicólise,
quer a nível mitocondrial. Contudo, apesar de existirem vários tipos de cancro
afetados pelo 3-BP, têm sido descritos alguns casos de resistência. Os mecanismos
envolvidos no desenvolvimento dessa resistência encontram-se ainda por esclarecer,
pelo que a identificação dos principais mecanismos pode vir a ter uma grande
importância para a descoberta de novos alvos e estratégias terapêuticas.
Assim, o objetivo do presente estudo foi criar uma linha celular resistente ao
3-BP, de forma a compreender os mecanismos moleculares envolvidos nessa
resistência. A linha celular ZR-75-1, uma linha celular de cancro de mama
anteriormente caracterizada como sendo sensível ao 3-BP, foi escolhida como linha
celular parental. A linha celular ZR-75-1 resistente ao 3-BP (ZR-75-1-R) foi
estabelecida expondo as células a concentrações crescentes do fármaco. A
resistência adquirida ao longo do tempo foi acompanhada através de ensaios SRB.
Aproximadamente 12 meses depois, as células ZR-75-1-R foram obtidas com um
índice de resistência final de 4, relativamente à respetiva linha celular parental,
denominada ZR-75-1-S. Verificou-se que as células das linhas ZR-75-1-S e ZR-75-1-
R apresentavam diferenças em condições basais, nomeadamente na morfologia
celular (citoplasma opaco, células mais pequenas e um aumento do número de
vacúolos), na migração (as células ZR-75-1-R apresentaram uma maior capacidade
de migração) e no metabolismo (as células ZR-75-1-R apresentaram uma menor
capacidade em produzir/exportar lactato). No que diz respeito à resposta ao 3-BP,
foram também observadas diferenças em ambos os tipos de células, nomeadamente
no efeito do 3-BP na migração celular e no consumo de glucose, para além do efeito
na citotoxicidade já referido. O 3-BP levou a uma considerável diminuição da migração
celular na linha celular ZR-75-1-S, contrariamente ao que sucedeu com a linha ZR-
75-1-R, onde não foram observadas diferenças significativas entre as células tratadas
e não tratadas com 3-BP. Relativamente ao metabolismo celular, o 3-BP levou a uma
diminuição no consumo de glucose, quer nas células ZR-75-1-S, quer nas células ZR-
75-1-R, embora esse efeito tenha sido mais notório na linha celular parental. O efluxo
de lactato não foi fortemente afetado pelo 3-BP, nem na linha ZR-75-1-S, nem na linha
ZR-75-1-R. De forma a determinar a influência dos transportadores de
monocarboxilatos (MCTs), especialmente das isoformas 1 e 4, na resistência ao 3-BP,
analisou-se a sua expressão, através da técnica de Western Blot. Relativamente ao
MCT4, a sua expressão foi observada em todas as linhas celulares, mas não foram
detetadas diferenças significativas entre as linhas celulares resistentes e as respetivas
células parentais. Quanto ao MCT1, este ensaio não se encontrava otimizado e, por
isso, não foi possível concluir acerca da sua contribuição.
Uma vez que a criação de uma linha celular resistente a um composto leva
frequentemente a uma resistência cruzada a outros compostos, este trabalho teve
também como objetivo verificar se este fenómeno aconteceu com a linha celular
resistente ao 3-BP. Foi encontrada uma maior resistência a outros compostos com
ação antitumoral nas células ZR-75-1-R, nomeadamente à 2-desoxiglucose,
iodoacetato e doxorrubicina, mas não ao dicloroacetato, mostrando assim que a
resistência adquirida não era específica do 3-BP. Dado que estes compostos têm
alvos e estruturas diferentes do 3-BP, nomeadamente a doxorrubicina, é possível que
se tenha desenvolvido um complexo mecanismo de resistência. Finalmente,
observou-se que a resistência adquirida ao 3-BP pelas células ZR-75-1-R pode ser
revertida com recurso a uma pré incubação, com ácido butírico durante 24 horas, tal
como tinha sido anteriormente verificado no nosso laboratório com a linha celular de
cancro de mama SK-BR-3, que é uma linha celular com uma resistência intrínseca a
este composto.
Paralelamente, investigou-se o efeito do 3-BP em glioblastomas, um cancro
muito agressivo e com elevadas taxas glicolíticas, utilizando as linhas celulares
U373MG, U87MG e U251MG. As três linhas celulares apresentaram diferentes
sensibilidades ao 3-BP: U373MG ~ U87MG > U251MG. Observou-se também que o
efeito citotóxico do 3-BP é ligeiramente superior a valores de pH extracelular mais
baixos. Relativamente ao metabolismo celular, foi observada uma redução na
produção de lactato, no consumo de glucose e na capacidade de migração. A
avaliação da expressão de proteínas envolvidas no mecanismo de ação do 3-BP,
nomeadamente do MCT1 e do MCT4, não mostrou nenhuma evidência direta entre
essa expressão e a citotoxicidade do 3-BP, apesar de todas as linhas celulares
apresentarem expressão de ambos os transportadores.
Resumidamente, a linha celular resistente ao 3-BP foi criada com sucesso.
Esta linha celular apresentou alterações, comparativamente à linha celular parental,
em condições basais (morfologia, migração celular e produção/efluxo de lactato), na
resposta ao 3-BP (toxicidade, migração celular e no metabolismo da glucose) e na
resistência a outros compostos (2-desoxiglucose, iodoacetato e doxorrubicina).
Contudo, o fenótipo resistente da linha celular não é irreversível, uma vez que pode
ser revertido com uma pré incubação com ácido butírico. Nos glioblastomas também
foi observado que o 3-BP induz a morte celular, nomeadamente a valores de pH mais
baixos, inibe a migração celular e o metabolismo da glucose, levando a um consumo
menor e a uma menor produção de lactato e/ou do seu efluxo. A influência dos MCTs
1 e 4 no efeito do 3-BP não parece ser evidente, nem na linha celular resistente, nem
nos glioblastomas. Por isso, no futuro, outros ensaios deverão ser realizados para
avaliar a localização e atividade dos MCTs, e perceber qual o seu papel no mecanismo
de ação do 3-BP.