Ideação suicida, depressão e qualidade de vida no idoso: estudo na consulta de gerontopsiquiatria do serviço de psiquiatria do Hospital de S. João do Porto, E.P.E.
Abstract
Com o envelhecimento progressivo da população portuguesa (mais de um milhão e
meio de pessoas com 65 ou mais anos), a depressão e o suicídio, que lhe está intimamente
associado, adquirem actualmente particular importância na nossa sociedade (Ministério da
Saúde, 2005; Instituto Nacional de Estatística [INE], 2007; Giannakouris, 2008).
A elevada prevalência de depressão nos suicídios na terceira idade (associação
muito mais frequente do que em adultos jovens) alerta-nos para a importância de uma
intervenção preventiva (Ministério da Saúde, 2004; União Europeia [UE], 2008). Este risco
nos idosos não deve ser subestimado, uma vez que é considerado a nível mundial o grupo
de maior risco de suicídio consumado (Lima, 2001).
O presente trabalho de investigação surge da constatação do crescente número de
idosos que recorre pela primeira vez à consulta de Gerontopsiquiatria do H.S.J. do Porto,
manifestando sintomatologia depressiva, muitas vezes com ideação suicida associada.
É um dos principais objectivos a caracterização dos idosos que recorrem à referida
consulta, a nível sociodemográfico, das incapacidades físicas e globais (incluindo as
actividades de vida diária), assim como a nível da patologia orgânica e das variáveis
psicológicas. Nestas em particular, procura-se estudar a depressão, a ideação suicida e a
qualidade de vida. Pretende-se ainda, estabelecer a relação entre ideação suicida, depressão
e restantes variáveis.
Neste estudo transversal foram recrutados consecutivamente, 155 idosos de ambos
os sexos da referida consulta. Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: (1)
idade igual ou superior a 65 anos; (2) consentimento livre e esclarecido; (3) ausência de
défices auditivos; (4) ausência de défices cognitivos; (5) ausência de doenças
neurodegenerativas e cérebro-vasculares. A inclusão dos idosos no estudo, teve por base os
dados inerentes aos registos clínicos da Consulta de Gerontopsiquiatria.
A existência de défice cognitivo avaliou-se com os seguintes testes: Mini Mental
State Examination, (Folstein, Folstein & McHugh, 1975; adaptação de Guerreiro, Silva,
Botelho, Leitão, Castro Caldas & Garcia, 1994), Teste do Desenho do Relógio (Shulman,
Shedletsky, & Silver, 1986; normas de Cacho, Garci-Garcia, Arcaya, Vicente, & Lantada,
1999), Histórias/Memória Lógica e Token Test, duas sub-provas da Bateria de Lisboa para
a Avaliação das Demências (Guerreiro, 1998). Deste modo foram incluídos 75 idosos que foram avaliados com os seguintes
instrumentos: questionário sociodemográfico e clínico; EASYCare - Sistema de Avaliação
de Idosos (Sousa & Figueiredo, 2000); Escala de Depressão Geriátrica (Yesavage, Brink,
Lum, Huang, Adey, & Leirer, 1983; versão portuguesa, adaptada por Barreto, Leuschner,
Santos, & Sobral, 2008) e Questionário de Ideação Suicida (Reynolds, 1988, versão
portuguesa, adaptada por Ferreira & Castela, 1999).
A amostra final apresentou idades compreendidas entre os 65 e os 88 anos,
(M=78.80; DP=6.04); sendo 59 do sexo feminino e 16 do sexo masculino. Os idosos
residiam na sua maioria na zona Norte do país, sobretudo em zonas urbanas e suburbanas,
com a sua família, e verificou-se ainda um predomínio de sujeitos casados e viúvos.
Constatou-se que ao nível da depressão, a amostra, obteve a média de 22.01
(DP=5.95) na pontuação total, sendo que 66.7% da amostra obteve um índice de depressão
grave. No Questionário de Ideação Suicida, a média foi de 41.96 pontos (DP=36.38),
incluída nos valores de potencial risco de suicídio (Reynolds, 1999, cit. in Almeida, 2000).
Além disso os idosos percepcionaram a sua qualidade de vida como baixa, revelando ainda
valores de incapacidade global diminuídos.
Foi encontrada correlação positiva significativa entre a depressão e ideação suicida
(rs =.71, p<.001). Verificaram-se também correlações significativas entre as dimensões da
depressão e qualidade de vida (rs=.50, p<.001), bem como entre a ideação suicida e
qualidade de vida (rs=.40, p<.001). Os dados obtidos corroboraram os dados encontrados
em outros estudos (Awata et al., 2005; Fernandes et al., 2009).
Os dados sugerem a necessidade de intervir ao nível da regulação do humor
(depressão), uma vez que sem uma intervenção adequada, poderá agravar-se a baixa autoestima,
as percepções negativas e a qualidade de vida, levando ao surgimento de ideação e
comportamento suicida.
A relação entre estas variáveis, nomeadamente entre a patologia depressiva
associada e/ou ideação suicida, pode vir a mostrar-se como factor importante, não apenas
numa perspectiva preventiva em geral, como em particular, na melhoria da prestação de
cuidados de saúde mental.